Ser ou Ter?

Gabriela RodriguesBlog do Victor & Gabi0 Comments

Já estávamos em cima da hora para irmos para nossos estudos bíblicos no Piraí, comunidade vizinha à nossa. A canoa já estava com nossos galões de água para encher, nosso colete salva-vidas já estava posto, nossas bíblias guardadas na bolsa, computador, enfim tudo estava nos conformes. O Sr. Faustino, nosso comandante da vez, puxou o cordão e ouvimos o som da rabeta.

Andamos nem um metro e ele saltou o motor para fora da água com um grito e paramos. A hélice do motor havia enroscado numa malhadeira que estava perto. Os fios haviam feito um grande nó, que seria bem difícil de desatá-lo sem os cortar.

O filho do Sr. Faustino apareceu no alto do morro para ver o que havia ocorrido. Ele era o dono da malhadeira. O pai deu-lhe uma simples ordem: “Traga uma faca”. O rapaz foi descendo o barranco com a ferramenta da mão, entrou no rio até o trecho em que estávamos e entregou a faca ao pai. Virou as costas e saiu. Os fios começaram a ser cortados. O detalhe é: nenhuma palavra foi dita durante todo esse procedimento.

Conversando sobre o ocorrido, eu e meu esposo pudemos perceber que essa reação foi uma forte demonstração da cultura local. Lembramos então das nossas aulas de missiologia na Escola de Missões do Projeto Salva Vidas. Na nossa cultura de cidade grande, o normal seria reclamarmos, ou pelo menos fazermos algum comentário acerca do ocorrido, pois sofremos um dano. Ainda que de modo sutil, talvez faríamos uma piada com nosso pai, do tipo “O Senhor foi barbeiro, hein pai!”, ou talvez demonstraríamos nossa tristeza por termos perdido algo que era nosso.

Mas percebemos que aqui não funciona assim. A preservação do vínculo relacional com a pessoa está em primeiro lugar, e isso é tão forte, que muitas vezes aquele que é lesado prefere arcar com os prejuízos, a fim de não perder a amizade com o seu ofensor. O grau de tolerância é muito maior. Isso é bom ou ruim? Não há resposta certa, simplesmente o que há é uma variação de hábitos e culturas entre diferentes povos.

Dentro de um mesmo país podemos encontrar culturas completamente opostas. Todos somos brasileiros, mas eu meu esposo teríamos uma resposta completamente diversa à situação, pois crescemos numa realidade movida por danos materiais e danos morais. Algo do tipo “perco o amigo, mas não perco o dinheiro”, e isso é fomentado pela indústria consumista até hoje.

Talvez por viverem numa condição de vida tão difícil, tudo o que eles têm é um ao outro. O ser se torna muito mais importante do que o ter. Sem saber eles já pregam o que Cristo veio nos ensinar, inclusive muitos sem serem cristãos.

Realmente a Amazônia é cercada de preciosos tesouros. Solo fértil, fartura de frutas durante o ano inteiro, mas também a população ribeirinha, que tem muito a nos ensinar.

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Gabriela Rodrigues

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