Nossa canoa estava marcada para sair a 1h da madrugada. Estávamos indo para Barreirinha para fazer a compra do mês e resolver as pendências de banco e internet. O barco era coberto e relativamente espaçoso. Tivemos que caminhar quase 500m para chegar até ele, pois o rio está bem seco nessa época do ano. Não obstante o tamanho, estávamos um pouco apertados, pois várias pessoas da comunidade estavam indo conosco. Quando estávamos entrando, ao ligar minha lanterna levei um susto. Havia um bebê todo enrolado dormindo numa manta estendida no chão. Devia ter uns dois meses. Sua mãe estava sentada bem ao seu lado.
Com alguma dificuldade acomodamos nossas malas e pude montar minha rede. O barco comporta apenas duas redes e, por sorte fui uma das premiadas. Oramos e saímos rio afora. Não conseguia dormir, pois o colete salva-vidas atrapalhava um pouco.
Estava um pouco sonolenta quando ouvi nosso comandante dizer “Temporal! Vamos encostar naquela ponta!”. Ele percebeu a chuva quando ela já estava bem perto e pudemos sentir algumas gotas de água em nós por causa do vento. Conseguimos encostar próximo a uma pequena ilha e, então o temporal desabou. Ventos, rajadas, trovões e água, muita água. O Edivaldo, nosso comandante, queria levar nossa canoa para traz de umas árvores densas, então saiu na chuva para tentar puxar a embarcação. Eu olhava para ele e sentia frio, pois ele estava todo encharcado.
Nessa altura o bebê já havia sido colocado no colo da mãe e todos nós já havíamos nos apertado num dos cantos do barco, onde a lona podia nos proteger da água. Com uma das mãos eu segurava um outro pedaço de lona e tentava manter minha rede estendida para não molhar. As outras crianças que estavam dormindo haviam acordado.
A chuva parecia que iria custar a passar. Naquele momento pensei em o quanto Deus foi bom conosco. Livrou-nos de passar por grandes apuros, pois se nossa viagem estivesse mais adiantada estaríamos num trecho composto por um grande largo, onde as encostas são distantes, sem lugar para nos abrigar. Então me deu vontade de louvá-lo e comecei a cantar uma música do Pedro Valença. O nome dela é “Hoje Não”. Ela possui um trecho justamente que diz “Hoje eu não vou pedir que leve embora as nuvens e traga o sol; se este é o Teu querer pode deixar chover, derrama suas bênçãos sobre nós”. Meu esposo se empolgou em cantar comigo, então emendamos outra música, e depois outra e mais outra. À medida que cantávamos percebemos que todas as vozes do barco se calaram e a agitação se diluiu como um sopro. Só o que se ouvia naquele momento era Deus falando conosco através da natureza e o louvor que era dedicado a ele.
Foi uma atmosfera indescritível. Se pudesse ter olhos de anjos, talvez poderia ver um ponto luminoso naquele local do planeta. Um pequeno barquinho, uma frágil embarcação em meio a um temporal, acuado numa encosta nos rincões da Amazônia louvando ao Senhor. E o melhor: alguns dos irmãos que estavam conosco ali não eram cristãos. Foi uma oportunidade ímpar de testemunhar, ainda que inicialmente nossa intenção fosse apenas a de direcionar nossas palavras a Deus.
Quase uma hora se passou e não perdemos o fôlego, mas o sono foi batendo. Nossa voz, agora mais baixa, acompanhava o ritmo da chuva, que neste momento era apenas uma garoa.
Montei novamente a rede, todos se acomodaram em seus lugares e a viagem prosseguiu. Quando acordei já estávamos quase no final do largo e chegamos bem ao nosso destino.
“Quando estou com medo, eu confio em ti, ó Deus Todo-Poderoso. Confio em Deus e o louvo pelo que ele tem prometido. Confio nele e não terei medo de nada. O que podem me fazer simples seres humanos?”. Salmo 56:3-4.
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